Um novo documento da ESC (European Society of Cardiology, em português, Sociedade Europeia de Cardiologia) recomenda que a relação entre doenças do coração e saúde mental seja levada mais a sério. O primeiro consenso clínico da ESC sobre o tema foi divulgado no Congresso ESC 2025, que acontece em Madri (Espanha).
O que aconteceu
Primeiro documento de consenso clínico que relaciona saúde mental e risco cardíaco. O guia alerta para uma ligação perigosa: cada condição aumenta o risco da outra, e quando ambas estão presentes, os desfechos são piores. Uma declaração de consenso clínico é produzida por especialistas quando há evidências limitadas ou controversas. Baseia-se em opinião, revisão de literatura e experiências clínicas e quer fornecer orientação prática e recomendações para situações onde não há evidência sólida suficiente para criar uma diretriz formal.
Quem está por trás do documento é um grupo de especialistas renomados. O consenso foi elaborado por um painel internacional de especialistas, com copresidência do professor Héctor Bueno, do Centro Nacional de Pesquisas Cardiovasculares e do Hospital Universitário 12 de Octubre, em Madri, e da professora Christi Deaton, emérita de Enfermagem na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O guia foi referendado pelo Comitê de Diretrizes de Prática Clínica da ESC.
Por que isso é urgente? Pacientes com problemas de saúde mental têm mais risco de desenvolver doenças do coração. E quem já tem problemas cardíacos, como insuficiência cardíaca ou arritmias, corre maior risco de depressão e ansiedade. Juntas, essas condições reduzem a qualidade de vida e aumentam a mortalidade.
As principais recomendações são: incluir triagem sistemática de sintomas de saúde mental em consultas cardíacas; avaliar o risco cardiovascular em pacientes em tratamento psiquiátrico; criar times psico-cardíacos —equipes multidisciplinares com cardiologistas e profissionais de saúde mental; e considerar fatores psicossociais nos check-ups de risco cardíaco.
Falhas graves na prática médica. O consenso aponta que muitos profissionais de saúde não percebem a alta prevalência de transtornos mentais e seu impacto no risco cardiovascular. Além disso, há pouco reconhecimento de como essas condições afetam adesão ao tratamento e resultados de saúde. Segundo a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), em todo o mundo, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram de depressão. De acordo com levantamento da OMS, quase 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental em 2019.
O que dizem os especialistas
Cada condição aumenta o risco da outra, e quem tem as duas vive com maior peso negativo na saúde. Além de checar a hipertensão e o colesterol, como já ouvimos antes, a saúde mental é importante, então temos que ir para a saúde primária. As pessoas precisam ser tratadas, mesmo antes de terem uma doença cardiovascular. Isso, é claro, é um grande desafio para o sistema, e precisa ser mudado, mas tem que acontecer. Precisamos educar a população e os profissionais, e não somente os cardiologistas. Christi Deaton, coautora do documento
A prática clínica cardiovascular muitas vezes ignora o impacto da saúde mental. É hora de incluir esse cuidado e oferecer apoio também aos cuidadores.Héctor Bueno, professor e coautor do documento.
Há lacunas no conhecimento e faltam protocolos. Os especialistas alertam que há pouca triagem cardíaca em pessoas com transtornos mentais e também falta olhar para o sistema cardiovascular do paciente que sofre de doenças mentais. Também é necessário recalibrar escores de risco cardiovascular para pessoas com transtornos mentais graves. Além disso, faltam orientações claras de como prevenir e tratar a combinação das duas doenças e evidências sobre como reduzir risco cardiovascular em pessoas com transtornos mentais graves.
Impacto do problema é perigoso. Pessoas com transtornos mentais severos têm maior risco de arritmias perigosas, que podem levar à morte súbita. Isso ocorre por múltiplos fatores: estresse, hábitos de vida, maior prevalência de fatores de risco e até efeitos colaterais de medicamentos.
Foco no paciente é fundamental. Segundo os autores do consenso, o objetivo é integrar saúde mental e cardiologia para um cuidado centrado no paciente, reduzindo mortes e melhorando a qualidade de vida.